sábado, 6 de novembro de 2010

Todas as cartas de amor são ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras, ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser ridículas.

Mas, afinal, só as criaturas que nunca

escreveram cartas de amor é que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso cartas de amor ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor é que são ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos,

são naturalmente ridículas.)

(Álvaro de Campos)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Saudade

Saudade. Uma palavra que muito significa. Uma palavra aparentemente simples mas que ao mesmo tempo é extremamente complexa. Saudade. Uma palavra só mas com muitas aplicações. Uma palavra que muitos entendem mas que poucos tem a capacidade de descrever.
O que é a saudade? A saudade tem a capacidade de dar foca mas em contrapartida também a tira.
A saudade pode ser como umas garras afiadas que nos aperta o coração tirando toda a vitalidade que nos corre pelo corpo, gelando a nossa alma, provocando efeitos devastadores no nosso espírito, arrastando-o para o abismo.
A saudade percorre o nosso corpo cobrindo cada centímetro com uma incrível sensação de frio. Deixando uma pessoa paralisada com dores e vazia por dentro.
A saudade rodeia o nosso mundo com vento e tempestades poderosas, ocultando toda a luz que a outra hora iluminava o nosso caminho.
A saudade deixa-nos cegos para todo o resto. Tudo que esta a nossa volta desaparece deixando apenas uma sombra daquilo que era, como um reflexo visto através de um espelho quebrado e cheio de pó.
Em contrapartida a saudade dá forças. A saudade alimenta. A saudade tem o poder de mover mundos e arrasar montanhas. Tudo é possível quando o objectivo é matar saudades. Uma vítima da saudade é capaz de muita coisa para eliminar esse sentimento da sua vida e da alma.
A saudade. A saudade, no entanto, não deixa de ser o eterno sofrimento que atormenta quem tem coração e gosta de quem o rodeia.
Isto é uma vaga descrição de saudade elaborada por alguém que sofre com o afastamento, por um motivo ou outro, das pessoas que fazem parte da sua vida.
Quando digo que tenho saudades tuas, então o meu mundo está de avesso e é por isto que eu estou a passar.
Tenho saudades.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Inspiração

Inspiração. Onde andas tu? Inspiração. De onde vens? Inspiração. Para onde foste?
Inspiração divina. Inspiração natural. Inspiração material. Inspiração instantânea. Recordações inspiradoras. Todos necessitam de inspiração, não apenas os escritores. É necessário uma inspiração ate para viver.
A inspiração é a fonte de tudo que criamos. Então porque me foge a inspiração?
O grande mestre Luís Camões tinha as suas musas inspiradoras. Isto foi o pormenor que mais me marcou da obra dele. Quem eram estas musas? Porque não me ajudam elas a ter uma inspiração semelhante? Talvez essas musas deixaram de existir a partir do momento em que ele soltou o ultimo sopro que permanecia nos seus pulmões. Será? Aparenta que cada um tem que ter uma fonte de inspiração diferente. Então porque motivo estou com a impressão que perdi a minha?
A dor que habitava o meu ser tem vindo a diminuir. Isso em termos psicológicos ate é bom. Mas no que toca aquilo que faço significa menos uma fonte de inspiração. Todos os grandes escritores aparentam ter isso em comum. A dor serve de inspiração para escrever.
Inspiração natural. O mar. As florestas. As montanhas. Os vales. O mar todo-poderoso e incansável que nunca desiste de fazer o seu percurso. As florestas escuras que escondem os terrores que nos atormentam como sombras das nossas almas. As florestas iluminadas que nos desorientam com a sua vastidão tal como a vastidão que é a difícil tarefa de viver. As arvores com os seus segredos ocultos que sussurram com o vento, cantando poemas de louvara para as estrelas que brilham no céu dando homenagem a sua beleza eterna. As majestosas montanhas, quais sentinelas imortais, que lançam o seu olhar conhecedor sobre o mundo que as rodeia. Com o seu sopro silencioso inspiram e transmitam a sua força grandiosa.
Inspiração divina. O céu com os seus diamantes de brilho imortal, enchendo a escuridão com luz. Os anjos que cuidem desses diamantes enquanto brincam no infinito. A própria eternidade. Tudo isto serve para inspirar.
Inspiração. Fonte eterna, majestosa, grandiosa, oculta. Procurar-te é um desafio, encontra-te uma bênção, descrever a tua essência… Impossível. Inspiração.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Imagina

Imagina.
Imagina um por do sol sobre o mar num final de dia de Outono. Um por do sol que enche o céu sobre o oceano de tons de vermelhos como se a própria mão de Deus estives a decorar o horizonte com aguarelas maravilhosas, iluminado as nuvens com esse espectáculo de cores. Imagina.
Imagina que olhando para o lado oposto do céu encontras um azul celestial que luta com os vermelhos outonais tentando arranjar espaço para a lua no céu nocturno que agora toma o lugar do velho sol. Com a lua de caçador a subir para os céus as estrelas aparentam perder alguma da sua força e brilho. Imagina.
Imagina que as poucas nuvens que pouco tempo antes vagueavam no distante horizonte agora estão estacionadas sobre nos e que começam a libertar milhares de pequenas gotas de chuva como lágrimas dos anjos. Essas gotas chegam a superfície terrestre com tanta ternura que parecem milhares de beijos que o céu dá a terra em forma de homenagem por todo o sacrifício que o planeta faz para manter os seus habitantes seguros. Esses beijos estão tão carregados de sentimentos que os anjos deixaram escapar que o seu toque sobre qualquer ser vivo deixa uma marca profunda e purificadora que liberta a alma de todas as feridas acumuladas com o tempo. Imagina.
Imagina que depois dessa chuva purificadora as nuvens separaram-se para dar lugar novamente as estrelas que depois de tudo estão com nova força e um brilho muito mais intenso iluminado todo o céu nocturno com a sua beleza como o brilho de diamantes no fundo de um lago perdido. Imagina. Imagina.

Espada Quebrada

O silêncio nocturno aumenta a sensibilidade de todos os outros sentidos. A escuridão da noite deixa-me cego para tudo o resto, permitindo que seja apenas possível ver aquilo que está dentro de mim. Solitário no meio que me rodeia. Perdido e sem rumo. Passo sem ser visto pelas criaturas da noite. Com um sussurrar silencioso confesso ao vento os desejos perdidos da minha alma, escutando uma resposta atormentadora.
Vagueando no meia da minha floresta oculta tento encontrar os horrores que provocam o medo que arrasa com o meu espírito. Lutando com os demónios da minha alma, tentando expulsar essas criaturas sem nome para um abismo sem fundo. Isto sou eu. Um guerreiro sem forças, um cruzado sem religião. Eu não sou ninguém. Sozinho no meio de gente. Incompreendido por quem me rodeia. Marginal num mundo sem margens. Onde estão aqueles que sempre prometeram estar lá por mim? Eram tantos nos bons momentos, nos maus dão para contar por uma mão. A desilusão de quem oferece apoio quando precisam dele mas que em troca recebe uma floresta de costas voltadas. Vazio e sem vontade. Sofrer por gosto? Achas que sim? Sofrer porque o coração não aprende a viver.
Isto sou eu. Não sou ninguém quando os maus momentos batem a minha porta. Um sem abrigo desprotegido, sem coração para me guiar. Sem luz ao fundo do túnel. Sem nada. Apenas me restam as promessas feitas em épocas de abundância, com um sabor amargo na garganta e o sal nos meus lábios das lágrimas que vão caindo.
Abandonado, frio e com fome de afecto, estou só! Que resta do tempo em que era feliz? Apenas vagas recordações de um tempo passado, perdido na bruma da memoria, vivendo num mundo de ilusão, acreditando sempre que melhores dias viram! E então onde andam eles? Em lado nenhum.
Qual cavaleiro de espada quebrada, vou vagueando, acreditando num futuro cheio de promessas acatadas. Espada partida, espírito desfeito, alma rasgada, coração perdido. Isto sou eu. Um eterno lutador sem objectivos.
Uma experiência para recordar. Uma ferida para curar. Uma cicatriz para lembrar. Uma marca interna que já mais vai desaparecer. Desta forma o coração aprende. Aprender à base do castigo. Mas aprende.
Agradeço aos amigos que não deixam o meu lado. Esses sabem quem são, não necessitam de ser nomeados. Os outros. Aos outros deixo um recado. Se alguma vez precisaram do meu apoio podem contar com ele porque perdoar é uma virtude ao alcance de todos. E é uma virtude que quando posta em pratica me faz sentir bem.

A vida num instante

A vida num instante.

De um momento para o outro a nossa vida muda. Estamos em mudança constante. De um segundo para o outro perdemos pessoas importantes na nossa vida, e por vezes basta um instante para encontrar alguém por quem temos andado a procura a vida toda, e ainda mais um segundo para voltar a perder, para depois conquistar novamente. As mudanças do ciclo de vida são das mais variadas que se pode imaginar. Umas são para melhor. Outras são para pior. Mas todas eles fazem parte da vida. Umas por vezes não custam nada, mudar de estilo, mudar de pensamentos, mudar de emprego. Outras estão rodeadas de sofrimento. Mudar de pais, mudar de amigos, mudar de amores.
Que acontece quando somos confrontados com estas mudanças e nada podemos fazer para o impedir? Sofremos naturalmente. Mas esse sofrimento fornece a energia necessário para viver. De certo modo sofrer faz com que exista uma vontade de procurar uma situação melhor. E isso implica mais uma mudança. Isto é, na realidade um ciclo vicioso, onde a única forma de o travar é a monotonia. E quem gosta disso? Ninguém. Por isso temos mais é que aceitar estas mudanças. Porque, quer se aceite, quer não, a vida é um instante muito breve onde de um momento para o outro acontece mais uma mudança que não podemos controlar. A morte. A mudança suprema, aquela em que passamos de um mundo para o outro, e não levamos nada conosco, apenas deixamos. Deixamos as recordações com que os vivos ficam de nós, e até essas recordações tem data de validade associada mais uma vez a morte.
Por isso, não devemos tentar fugir as mudanças que cruzam o nosso caminho, mas sim enfrentar cada uma delas com coragem e com a idéia que essa mudança pode ser para melhor.

"A vida são dois dias, o de ontem já passou e o de hoje está a acabar. Amanhã está no incerto. Aproveitam cada nova oportunidade."

sábado, 10 de julho de 2010

Aconchego-me no teu regaço
esqueço-me de quem sou
sinto a leveza de um corpo
um rosto anônimo
medo e melancolia.

caminhamos de mãos dadas
solto os meus cabelos ao vento
saboreamos o silêncio
mergulhamos num mar de flores
banhados pelo luar.
Sou a tua cumplíce no tempo vazio.

Colori as minhas esperanças
de te fazer feliz.

Abro os olhos ao meu redor
vejo tudo vazio.

sonho, sonho meu...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ao fazer um mês

Abro os olhos, vejo as rasgas de sol que saem pela cortina fechada.

Mais um dia, mais um dia insignificante.

Fecho os olhos mais uma vez.

Tenho sono.

Quero dormir.

Oiço barulho do quarto ao lado, era a minha mãe.

Batem a porta. Entra ela. Abre as cortinas.

-“Filha, sai da cama. Faz-te útil.”

Levanto-me.

Visto-me.

Sento-me a mesa.

Tinha o diário na secretária desde da noite anterior. A dor era tanta, que nem deu para acabar.

Faz um mês desse da tragédia. Neste passado mês, ainda não tinha visitado a campa. Não tenho coragem.

Hoje era o dia.

Hoje era o dia que eu digo o adeus final.

Fecho o diário. Trago-o comigo.

Entro no carro e conduzo.

(…)

Chegar ao cemitério não era difícil. Difícil é entrar.

Estaciono e olho para a porta. Parecia que estava a um quilómetro de distância. As minhas pernas ficam imóveis. Respiro fundo.

-“Tenho que fazer isto.”

Saio do carro e caminho até a porta.

Sabia o caminho de cor, apesar de única ter entrado.

Depois de alguns metros paro. Viro-me para a direita. Lá esta.

A campa.

Ajoelho-me.

Parece que o meu coração congela.

O que digo?

Respiro fundo.

-“Há tanta coisa que eu possa te dizer. Estou magoada? Claro que estou. Quem não esta. Acho que és egoísta? Acho. Muito. Há algo que eu possa fazer agora? Não. Agora tenho a certeza que não. Tenho saudades tuas. Foste e és importante para mim. Sempre serás. Mas escolheste o teu caminho. Agora vou escolher o meu.”

Não consigo chorar. Já não há lágrimas para chorar.

Lembro-me. Olho para a minha mão. Lá estava. O meu diário.

Deixo-o na campa.

-“Thanks for the memories.”

Viro costas.

E sigo com a minha vida.

sábado, 24 de abril de 2010

Uma semana depois

Acordo cansada.

Já não dormia direito há vários dias.

Batem a porta, era a minha mãe.

-“Filha, vens?”

Hoje era o dia do funeral.

-“Não”, digo friamente.

Fecho os olhos.

Acordo...

Acordo.

Estava no sofá.

Parecia que tinha acordado de um pesadelo, doía-me o corpo inteiro.

Vejo o Sr. Rui, o pai do Filipe, à porta da sala.

Ele tinha os olhos inchados.

-“Filhinha, como te sentes?”

-“Como se o mundo tivesse caído em cima de mim. O Filipe já chegou?”

Ele olha para mim pasmado,

-“ Não te lembras…?”

Vem me tudo à cabeça, o corpo, a linha, o ladrar.

Escondo a cabeça debaixo da manta.

-“Pensava que era um pesadelo…”

Oiço o barulho distante da sirene da ambulância.

-“Ele ainda…”

-“ Não. É para ti.”

Ponho-me em pé.

-“ Não preciso de ambulância nenhuma. Preciso de o ver. Por favor. Preciso…”

Enquanto caminho para a porta começo a chorar, mas ele impede a minha tentativa de sair da sala.

-“Não saias daqui. Por favor. Já se perdeu demasiado hoje.”

Sinto o meu corpo débil. Não consigo sentir as minhas pernas. Caio no chão.

-“Não acredito… aquilo era um pesadelo!”

Sinto umas mãos a volta dos meus ombros.

-“Ele foi egoísta.”

Olho para cima.

Os olhos dele estavam frios como a pedra.

Nunca o tinha visto assim.

Mas ele tinha razão.

O Filipe tinha acabado com tudo.

Choro.

Batem à porta. Era a ambulância.

Pegaram em mim.

Nem luto.

Outra perspectiva

(Dona Emília)

Vejo-a a entrar na floresta, volto as costas e caminho para a cozinha.

(…)

Oiço ladrar. Era o Rex. Mas não vejo ninguém a vista.

O meu coração palpita a uma velocidade desumana.

O ladrar não parava.

Começo a correr.

A correr em direcção ao barulho.

Chego.

As lágrimas começam a correr-me pela cara.

Vejo dois corpos imóveis.

-“Filho… Filho!”

Seu corpo está frio, desfeito.

Pensei que estava a sonhar.

Já não há nada a fazer.

Viro-me para ela.

Está fria, mas estava viva.

O que teria acontecido?

Corro para a casa, para chamar alguém…

domingo, 11 de abril de 2010

Ao acordar...

IV

Acordo com alguém a bater à porta.

“O Filipe já te deu notícias?”

Olho para o meu telemóvel.

-“Não recebi nada Dona Emília.”

Desço as escadas atrás dela. Ela pára em frente da mesa de entrada.

-“É normal então, ele deixou o telemóvel aqui!”

O meu coração deu um pulo, não era o costume dele.

-“Dona Emília, vou passear com o Rex no quintal. Posso?”

-“Claro!”

Saio pela porta das traseiras. Filipe morava mesmo em frente duma floresta. O tempo estava nublado, tinha chovido e cheirava a musgo fresco.

Olho para o relógio, já passava do meio-dia. Tinha combinado estar com ele há duas horas atrás.

Tudo perdeu o sentido.

O Rex ladrou e correu para dentro da floresta, a caminho da linha do comboio. Andei atrás dele, pois ele não se podia perder.

Ao chegar a linha do comboio, vejo o Rex a ladrar na curva que a linha fazia.

Vejo algo escuro. Sinto o meu coração a acelarar. Chego à beira da linha.

Vejo seu corpo estendido na linha, imóvel, desfeito.

Entro em choque.

Desmaio.

A chegar à casa dele...

III

Desligo o carro e respiro fundo.

Estava à espera de o ver a sair pela porta fora, com o seu jeito, aquele jeito que nem eu sabia explicar.

Mas ninguém saía.

Saí do carro e caminhei até a porta da casa. Bati a porta. Era a mãe dele.

-“Ó filhota, entra, entra. O Filipe saiu, mas deve estar quase a chegar. Mas estás a vontade.”

-“ Está bem Dona Emília, eu espero no quarto dele.”

Subo as escadas. A meio das escadas encontro o Rex, seu cão.

-“Rex, anda comigo.”

Faço-lhe uma festinha e ele vem a correr atrás de mim.

Entro no quarto dele, desarrumado como o costume.

Sorrio a olhar para a sua mesinha de cabeceira. Estava lá uma foto do nosso baile de finalistas, eu tinha sido o seu par.

Flashback

Estava o sol a nascer e estávamos a caminhar pela praia descalços.

-“Quando formos velhinhos, será que vamos ter forças para voltar a fazer isto?”

-“Quando fores velhinho não vais querer saber de mim, vais ter uma enfermeira novinha para tratar de ti.”

Sinto as suas mãos a abraçarem me pelas costas.

-“Tu para mim serás a única enfermeira que eu vou querer a tomar conta de mim.”

-“Lembra-te que quando tu fores velhinho, eu também vou ser velhinha!”

-“A minha velhinha.”

Presente

Deito-me em cima da cama dele, a pensar enquanto brincava com o meu colar preferido, um colar que ele me tinha dado, que dentro do coração tinha uma foto nossa de cada lado.

Acabo por adormecer.

A manhã seguinte

II

Filipe piscou-me o olho.

Abro os olhos. Era a manhã seguinte, estou deitada na cama. Sinto um aperto no meu coração, um pressentimento que algo não está bem.

Caminho para o quarto seguinte, que é do meu avô, e olho para dentro. Dormia ele um sono profundo. Dou um suspiro de alívio. Mas o aperto continuava lá.

A mãe já tinha saído de casa e o irmão tinha passado a noite em casa de um colega.

Caminho para a cozinha, e olho para o meu telemóvel, tinha o deixado cá na noite anterior. Vi que tinha uma mensagem do Filipe:

Bom dia florzinha, não te esqueças de mim ;)

Sorri.

A noite anterior tinha sido maravilhoso, mas sinto-me confusa. Eu sei que não são sentimentos concretos, mas estão lá, algures. Ele é aquilo que me completa, algo que já não sentia a algum tempo. Não sei de que maneira, mas completa-me.

Concentrada a pensar, entro no carro e saio de casa.

Marés

I

A água batia nas rochas violentamente, mesmo assim o mar acalmava-me, fazia-me sentir serena. O tempo já tinha escurecido, mas o roxo do pôr-do-sol ainda se reflectia na areia. Ele tinha adormecido encostado ao meu ombro. Sorri, já tinham passado quatro anos desde do inicio da nossa amizade, e que quatro anos! Já tínhamos passado tanta tristeza, tanta alegria, tantas zangas, mas continuávamos os mesmos malucos desde do primeiro dia.

Os seus pequenos suspiros preenchiam o barulho do mar no silêncio da noite. Este cenário era-me familiar, já tão familiar.

O telemóvel toca. Era a mãe. O jantar estava pronto.

-“Diz à sogrinha que ponha mais um pratinho para mim.”

Tinha ele acordado com o barulho do telemóvel.

-“Achas que ela se ia esquecer de ti parvinho?”

Ele beijou a minha testa, “beijo de juízo”, como ele me costuma dizer, como eu tivesse pouco. Abraçou-me.

-“Estás gelada! Não tens frio?”

Ele tinha razão, a minha pele estava fria, mas eu não tinha dado por ela. Ainda era o inicio da primavera, as noites ainda eram frias mas eu tinha-me esquecido de trazer o casaco, estava na mala do carro.

Sinto uma camisola nas pernas.

-“Veste. Não te podes constipar.”

Visto a camisola, era-me grande mas sentia como me servisse perfeitamente. Cheirava ao seu perfume, Armani, o presente que lhe tinha dado no seu último aniversário.

Ele deitou a sua cabeça no meu colo.

-“Tenho preguiça.”

-“Já nasceste com preguiça, conta-me algo de novo…”

-“Novo? Hmmmm, estás muito bonita assim com a minha camisola!”

Sorri.

-“Hahaha. É mesmo a minha cor não é? É minha agora!”

Ponho a língua de fora.

-“Pronto, ela é tua por hoje.”

Faço-lhe festinhas no cabelo. Estava grande, mas gostava de o ver assim.

Fecha ele os olhos.

O telemóvel toca.

-“Vamos embora antes que a sogrinha me bata.”

Andamos até o carro, o braço dele à minha volta. Sentia-me pequena, mas sentia-me bem.

Abre-me a porta e sento-me.

Ligo o carro.

Ele senta-se.

Partimos.

(…)

Saímos, depois do jantar. A pé. A caminhada do costume.

-“Tenho a barriga mesmo cheia. A tua mãe sabe conquistar-me, sabes?”

-“Cheira-me que vou ter um padrasto.”

-“Hahaha, primeiro tinha que me casar contigo.”

-“De que estas a espera?”

-“De ganhar o dinheiro para te dar o diamante que tanto queres.”

Sorri.

Flashback:

À 2 anos atrás, no casamento da prima Maria, estavamos sentados na mesa com um jovem casal que estava noivo.

-“Ai, Fi, quero um diamante igualzinho a este. É perfeito!”

-“Pronto, eu compro-te um igual.”

-“Prometes?”

-“Prometo.”

Presente

Após o jantar, fomos ao jardim onde costumamos ir e sentei-me no banco do costume. Ele senta-se no meu colo.

-“Hoje sou o bebé.”

-“Sempre foste o meu bebé.”

Sorri.

Ele fixa o seu olhar num gato que estava no outro lado do jardim.

-“Posso te fazer uma pergunta?”

-“Podes.”

-“Amanhã. De manhã. És minha não és?”

-“Sempre fui. Sou agora até, não vês?”

-“Sabes que não foi isso que eu quis dizer. Amanhã vens ter comigo?”

-“Claro!”

Ele olha seriamente nos meus olhos.

-“Deixas-me fazer uma coisa?”

-“O quê?”

-“Deixas?”

Hesitante, respondo.

-“Podes claro.”

Não reparei no que ele fez, fiquei pasmada. Os lábios dele eram doces, acolhedores. Nunca me tinha sentido tão confortável.

Fiquei sem palavras e beijei-o de volta.

Silêncio.

Eu não sabia o que dizer. Estava preenchida.

Ele pegou na minha mão que estava a tremer. Encostei a minha cabeça no seu ombro.

(…)

Chegamos ao carro dele.

Ele abraçou-me, um abraço longo.

Voltou a beijar a minha testa.

-“Amanhã estarei a tua espera.”

Filipe pisca-me o olho.